“Atualmente, boa parte do território colombiano situado na fronteira entre Colômbia e Venezuela está controlada por tropas paramilitares, ou diretamente monitorada por tropas estadunidenses. Não por acaso, é a área onde se encontra uma das mais ricas bacias petroleiras da América Latina”, afirma Gloria Inés Flórez, diretora da organização não-governamental Promoção Social Alternativa, que há dez anos atua em defesa dos direitos humanos nas regiões fronteiriças do Nordeste e Sudeste, e na capital colombiana. Gloria participou, em Caracas, de uma delegação de observadores internacionais do processo de reparo.

Que ninguém se iluda: na Venezuela, o que está em jogo é o plano de ocupação militar imediata, pelos Estados Unidos, de todo o território amazônico situado fora dos limites brasileiros (aqui, o processo também está em curso, mas com outras formas, ritmos e prazos). O verdadeiro nome do jogo não é narcotráfico, nem guerra ao terror. É controle do petróleo, das reservas de biodiversidade e da água. Do ponto de vista da Casa Branca, a eventual derrota do governo Chávez vai abrir uma avenida onde já existe rua pavimentada. Na Venezuela, o que está em jogo é o futuro da Amazônia e o do Brasil como nação soberana.

Descartáveis

A tragédia humana é indescritível. O Plano Colômbia - agora qualificado como Iniciativa Andina, para englobar também o Equador e, eventualmente, outros países da região - expulsa de seus lares centenas de milhares de indígenas e camponeses, que, em situação miserável, tentam encontrar refúgio em áreas próximas, incluindo países vizinhos, configurando um movimento migratório de proporções equiparáveis às encontradas em situações de guerra. Os miseráveis abarrotam campos de refugiados onde, sem qualquer assistência, lutam para sobreviver as 24 horas seguintes. Parte deles tenta refazer a vida nas cidades colombianas, onde são tratados como lixo - literalmente: são qualificados como desechables, ou descartáveis.

O relato de Gloria coincide com aquele feito por Blanca Chancoso, da Confederação Nacional dos Povos Indígenas do Equador (Conaie). Blanca explica que os Estados Unidos encontraram um expediente rápido e eficaz para deslocar populações indígenas e camponesas indesejadas de suas áreas: a fumegação com o “gás verde”, um pesticida de elevadíssimo grau tóxico fabricado pela transnacional Monsanto (a mesma dos transgênicos). O pretexto para as fumegações - sempre há um pretexto - é a necessidade de destruir as plantações de coca. Mas fotos exibidas por Blanca mostram crianças em carne viva, por terem sido expostas à ação do gás.

O despejo do “gás verde” nada tem a ver com plantações de coca. Seu objetivo é “limpar a área”, com o objetivo de criar vazios populacionais onde serão instaladas novas bases militares ou acampamentos avançados de tropas estadunidenses, ou paramilitares sob instrução e direção de oficiais estadunidenses. Trata-se, portanto, de uma clara ocupação militar do território, no mesmo estilo daquela praticada no Vietnã, onde utilizaram o desfolhante “agente laranja”, também fabricado pela mesma Monsanto. A Venezuela, nesse quadro, é a grande “pedra no sapato” de Tio Sam. É uma força regional que ameaça atrapalhar os planos de ocupação da Amazônia.

O dedo estadunidense

Hugo Chávez denunciou, em 10 de maio, a captura de 88 mercenários colombianos em ações paramilitares na periferia de Caracas. Washington tenta fomentar um conflito militar entre a Venezuela e os seus vizinhos já integrados à Iniciativa Andina (Colômbia e Equador). Esse é o sentido da recente invasão do Haiti pelos Estados Unidos, realizada com a bênção do governo Lula. O Haiti, localizado na ilha Hispaniola (que divide com a República Dominicana), fornece uma base de operações muito próxima da fronteira Norte da Venezuela, e também situada a poucos quilômetros de Cuba. É um ponto ideal a partir do qual os Estados Unidos podem enviar os seus navios de guerra para uma eventual operação de cerco, como chegaram a fazer durante a tentativa de golpe contra Chávez, em 2002.

As ações militares se combinam com a ofensiva diplomática. Às vésperas do reparo, em 26 de maio, o funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos Roger Noriega acenou com a expulsão da Venezuela da OEA, caso o governo Chávez não respeitasse os resultados do processo. Era uma clara chantagem, movida por um sujeito relacionado com a “máfia da Flórida”, organização que garantiu, mediante a fraude, a condução de George W.Bush à Casa Branca. Outro braço da ofensiva diplomática foi fornecido pelo Centro Carter, que durante o processo de reparo multiplicou ameaças veladas ao governo, além de extrapolar todos os limites de um grupo “observador” para se tornar protagonista e organizador da oposição burguesa a Chávez.

Publicado no semanario Brasil de Fato