Direito de Genebra - Ainda pouco numerosos, parlamentares que defendem a água como direito humano participaram do encontro paralelo ao 2° Fórum Alternativo Mundial da Água. Deputados federais brasileiros do PT e do PSDB pressionaram e conseguiram dar mais peso ao documento final.
A luta contra a privatização da água nos países pobres terá poucas chances de vitória se não forem criados nos países ricos mecanismos efetivos de pressão sobre instituições como a ONU, o Banco Mundial e o FMI, entre outras. Essa pressão, contudo, só poderá ser exercida a contento se for imediatamente formada uma aliança permanente entre as forças políticas progressistas de ambos os lados. A incorporação dessas duas premissas foi a maior vitória do encontro Parlamentares Unidos pela Água, evento que ocorreu paralelamente ao 2° Fórum Alternativo Mundial da Água (Fame, sigla em francês) de Genebra e se encerrou neste sábado (19).
As propostas, que devem ser incorporadas à declaração final do Fame 2005, não constavam no superficial documento inicialmente apresentado aos parlamentares pelo coordenador do evento, o deputado federal suíço Carlo Sommaruga. Sua incorporação foi sugerida pelo deputado federal brasileiro Mauro Passos (PT-SC), que pediu urgência nas ações. Algumas outras boas propostas também só foram incorporadas ao documento dos parlamentares na plenária final do evento, fato que mostrou a pouca viabilidade prática da estranha idéia dos organizadores de trazer para a discussão um documento já pronto (erro, aliás , que se repetiu no Fame como um todo).
Passos sugeriu a criação imediata de uma comissão parlamentar internacional que possa exigir da ONU e das outras instituições todas as informações relativas ao processo de privatização dos serviços de água em todo o mundo, incluindo uma listagem dos países e empresas envolvidos: “Para isso, precisamos de ações imediatas. Nesse exato momento, provavelmente até mesmo nessa cidade, banqueiros estão reunidos e discutindo como dar continuidade ao processo de privatização da água”, disse. Ele também exortou os colegas europeus a estreitarem as alianças com os parlamentares dos países pobres. “O Parlamento Europeu tem papel fundamental, pois já acumulou uma maior massa crítica sobre o tema. Além disso, a quase totalidade das empresas que atuam na privatização da água são aqui da Europa”.
O tema sugerido pelo deputado brasileiro deverá ser um dos principais pontos de discussão do Encontro entre o Parlamento Latino e o Parlamento Europeu, que acontecerá no mês de junho, em Lima, no Peru. Passos, no entanto, espera que a comissão sugerida por ele seja criada nas próximas semanas. “O ideal seria que já pudéssemos ir à ONU dentro de um mês”, disse. Outra emenda ao documento foi proposta pelo deputado federal Mendes Thame (PSDB-SP), que questionou uma das resoluções que falava em “avaliar previamente os projetos financiados pelo Banco Mundial e o FMI”. O deputado brasileiro sugeriu a inclusão de outras instituições: “Por que não citar nesse mesmo item o Banco Interamericano de Desenvolvimento, os bancos de financiamento europeus e o banco japonês?", indagou.
Pouca gente
Apesar do bom desempenho brasileiro, a participação do país no encontro dos parlamentares foi pequena. Indicado pela Câmara, o deputado federal Inácio Arruda (PCdoB-CE) acabou não indo ao Fame 2005. Sua ausência, no entanto, foi compensada pela presença da deputada Selma Schons (PT-PR), presidente da Frente Parlamentar da Pesca e da Água, que reúne 195 parlamentares no Congresso brasileiro. Outros países, no entanto, sequer foram representados. Da combalida África, cujos representantes tiveram a presença em Genebra assinalada repetidas vezes pela organização do Fame 2005, somente dois deputados federais do Mali compareceram à plenária final realizada na sala do Grand Conseil Genevois. A idéia manifestada pelo presidente do comitê organizador do Fórum, Alberto Velasco - segundo a qual “é impossível fazer uma reunião com 500 pessoas” - acabou prevalecendo num encontro mundial de parlamentares que contou com pouco mais de 50 pessoas.
Deputado federal na Venezuela e no Parlamento Latino, Rafael Correa anunciou durante o evento o desejo do presidente de seu país, Hugo Chávez, de realizar um Fórum Latino-Americano da Água em Caracas no ano que vem. Correa afirmou que uma carta do direito humano à água será apresentada pela Venezuela na Organização dos Estados Americanos (OEA) e garantiu que seu país será um bastião na luta contra a privatização. “A tendência de privatizar os serviços de água, que era predominante nos governos anteriores da Venezuela, foi completamente derrotada e revertida. Temos atualmente uma gestão pública plena desses serviços e não existe a mínima possibilidade de que isso seja modificado”, disse, seguido por uma chuva de aplausos.
O deputado federal italiano Roberto Musacchio defendeu a construção a médio prazo de um parlamento mundial da água, além da imediata constituição de um grupo específico sobre o tema no Parlamento Europeu. Também foi sugerida a adoção, pelos parlamentares dos diversos países presentes, de uma bandeira de luta em favor da cooperação política e técnica das empresas prestadores de serviço público da água nos países ricos com suas similares nos países menos desenvolvidos. “Essa é a PPP que queremos, a parceria público-público”, afirmou o suíço Carlo Sommaruga.
Convidados ilustres
A plenária final do encontro dos Parlamentares Unidos pela Água contou com alguns convidados ilustres. O ex-presidente de Portugal Mário Soares lembrou Benjamin Franklin e a primeira Constituição dos Estados Unidos para afirmar que a água é um direito de toda a humanidade e criticar sua privatização. “Não aceitamos que as empresas cuidem da gestão da água. Durante séculos, a água foi gerida pelo poder local. Se as grandes multinacionais assumiram essa gestão, isso será um retrocesso em nossa civilização”, disse.
Muito aguardada no Fame 2005, onde só chegou neste sábado, a ministra do Meio Ambiente do Mali, Aminata Traoré, emocionou os parlamentares ao afirmar que a eles cabia um papel muito importante na defesa dos interesses humanos. “Quem melhor colocado para falar em nome dos usuários face a um mundo dos negócios que transforma tudo em mercadoria?”, indagou. Traoré também criticou a “globalização selvagem” e seus promotores. “Se os países ricos tivessem um mínimo de respeito por aqueles que consideram subdesenvolvidos ou mesmo bárbaros, não teríamos chegado no ponto onde chegamos”.
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