CURITIBA – As palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a cerimônia de abertura do Segmento Ministerial de Alto Nível da 8a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8) nesta segunda-feira (27) confirmaram a postura progressista que o Brasil adotou nesse que é o maior encontro internacional sobre meio ambiente desde a Rio+10, realizada em Joanesburgo (África do Sul) há quatro anos. Diante de 103 ministros de Meio Ambiente e chefes de delegações nacionais presentes em Curitiba, Lula exortou a comunidade internacional à evitar retrocessos naquilo que foi até aqui acumulado como acordo ambiental multilateral e afirmou que "uma lógica ambiental sustentável é incompatível com uma engrenagem econômica que se apoie em desigualdades crescentes e asfixiantes".

O presidente também indicou qual será a postura do governo brasileiro na mais importante discussão nessa segunda semana de COP-8: a adoção de um regime internacional que estabeleça regras para o acesso aos recursos genéticos provenientes dos conhecimentos tradicionais e para a repartição dos benefícios econômicos e não-econômicos derivados da utilização desses recursos. Após afirmar que a exploração adequada da biodiversidade pode estabelecer novos paradigmas de progresso, Lula enfatizou que "a luta pela adoção de um regime internacional de repartição de benefícios é parte deste percurso", pois "assegurará a justa e eqüitativa repartição dos ganhos" obtidos com o uso da biodiversidade: "Tudo o que possa ameaçar a biodiversidade ou conspirar contra a repartição eqüitativa dos seus recursos deve ser rejeitado como ameaça à sobrevivência da humanidade e da Terra", disse.

O governo, segundo Lula, "não tem poupado esforços" nas negociações multilaterais em busca de um "consenso democrático para uma agenda incontornável de regeneração humanista e ambiental do desenvolvimento". Ele utilizou como exemplo o 3o Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3), realizado antes da COP-8, onde o Brasil saiu vitorioso em sua proposta de adotar a expressão "contém OVMs (Organismos Vivos Geneticamente Modificados)" para identificar os carregamentos contendo transgênicos: "Na MOP-3 o Brasil defendeu uma solução prudente e progressista. O resultado marcou importante avanço em termos internacionais", disse.

Lula afirmou que o Brasil tem "colhido frutos encorajadores" em sua política ambiental, e citou como exemplos, entre outros, a redução de 31% no ritmo do desmatamento na Amazônia, a recente aprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, o lançamento do Plano Nacional de Recursos Hídricos, o incentivo à produção de biodiesel e o assentamento de 58 mil famílias pela reforma agrária na região amazônica. Falando de improviso após ler o seu discurso, Lula afirmou que "a luta pela preservação ambiental não é fácil" e pediu aos governos e outras organizações presentes que não esmoreçam: "O que tem de nos mover é a consciência dos avanços que conquistamos. O que eram os defensores do meio ambiente na década de oitenta? Eram xingados e achincalhados pela pressão do poder econômico local e internacional. Eram considerados jovens alucinados, mas suas propostas se transformam hoje em políticas de Estado. Imaginem se, naquela época, não houvéssemos começado ou conseguido seguir em frente", disse.

DÉFICIT DE IMPLEMENTAÇÃO

A ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva, que preside os debates do Segmento Ministerial, exortou os colegas ministros a se integrem às decisões da COP-8 e reafirmou sua intenção de encaminhar a reunião no sentido da rápida implementação de políticas públicas ambientais nos diversos países: "Precisamos enfrentar aqui nosso déficit de implementação dos acordos ambientais multilaterais. Precisamos buscar as razões desse déficit e encontrar meios de implementar as políticas públicas. Essa tarefa passa pelo cumprimento dos compromissos assumidos pelos países ricos em termos de transferência de recursos e tecnologia", disse.

Marina pediu "urgência e relevância" para os debates "nos quatro anos que ainda nos restam" até 2010, prazo estabelecido em Joanesburgo para o cumprimento de alguns objetivos ambientais contidos nas Metas do Milênio estabelecidas pela ONU: "Por isso, procurei ousar na condução da reunião do Segmento Ministerial e adotar a transversalidade como critério na escolha dos temas e nos convites aos participantes", disse a ministra, que defendeu a necessidade de engajamento do setor ambiental com outros segmentos da sociedade. Nesse sentido, Marina definiu quatro painéis temáticos que farão a ligação entre a biodiversidade e os seguintes temas: alimentação e agricultura, erradicação da pobreza, comércio e acesso aos recursos genéticos e repartição de benefícios.

PAINÉIS TEMÁTICOS

Nesta segunda-feira (27) estão sendo realizados os painéis temáticos sobre alimentação e agricultura e sobre erradicação da pobreza. Na terça-feira (28), acontecem os painéis sobre comércio e sobre acesso e repartição de benefícios. A plenária final do Segmento Ministerial está prevista para quarta-feira (29) e, em seguida, as decisões ali tomadas serão levadas à discussão nos dois últimos dias da COP-8. Marina espera lograr avanços sobretudo na discussão sobre acesso e repartição de benefícios: "A adoção de um regime internacional é muito importante para os países em desenvolvimento. Sua criação é um dos três objetivos prioritários da Convenção sobre Diversidade Biológica e o único, até o momento, a não ter avançado satisfatoriamente", disse.

Além de Lula e Marina, participaram da cerimônia de abertura do Segmento Ministerial os ministros brasileiros Celso Amorim (Relações Exteriores) e Paulo Bernardo (Planejamento), o secretário nacional da Pesca, José Fritsch, o governador do Paraná, Roberto Requião, o prefeito de Curitiba, Beto Richa, o secretário-executivo da CDB, Ahmed Djoghlaf, e o secretário-executivo do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA), Klaus Töpffer. Em seu discurso de boas-vindas, o chanceler Celso Amorim afirmou que o Brasil não vai fugir à responsabilidade de maior país megabiodiverso do mundo: "Nossa política internacional tem como base os três pilares do desenvolvimento sustentável: crescimento econômico, justiça social e preservação do meio ambiente", disse.