Batizadas de "sementes suicidas", Terminator só germinam uma única vez, graças a uma tecnologia transgênica. Com comercialização proibida desde 2001, empresas pressionam por sua liberação. Ambientalistas denunciam riscos à biodiversidade e de monopólio.
O Terceiro Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da ONU (MOP-3, na sigla em inglês), que acontecerá em março de 2006 no Brasil, será cenário de uma nova ofensiva política dos países e empresas que defendem a liberalização da produção e da comercialização de alimentos transgênicos em todo o mundo. Enquanto o movimento ambientalista se esforça para que o encontro internacional consolide uma visão sobre os transgênicos que priorize a realização de estudos prévios de impacto ambiental e a adoção do princípio de precaução quanto aos riscos trazidos por estes alimentos ao meio ambiente e à saúde humana, os setores pró-transgênicos já articulam medidas para impulsionar o mercado. O que mais preocupa os ambientalistas é que algumas dessas medidas significam retrocesso em relação a decisões já tomadas pelos países, como é o caso da moratória global da utilização das sementes Terminator.
Desenvolvida pela primeira vez pela empresa norte-americana Delta & Pine Land, a tecnologia Terminator - ou Tecnologia de Restrição de Uso Genético (TRUG), como preferem seus defensores - é um conjunto de técnicas que possibilita a criação de plantas transgênicas para produzir sementes que alcançam a maturidade uma única vez e depois não germinam mais se novamente plantadas.
Isso é possível graças a um gen que é inserido artificialmente na estrutura da planta e depois ativado e desativado através da utilização de um indutor químico. Já batizada pelos agricultores como "semente suicida", a Terminator, na visão dos ambientalistas, significa um enorme passo para que as empresas de biotecnologia adquiram de vez o controle sobre o mercado mundial e anulem o direito dos trabalhadores de guardar as sementes que possuem e as utilizar na safra seguinte: "Essa tecnologia visa apenas a maximização dos lucros das empresas e criará entre os agricultores uma dependência total em relação ao mercado de sementes. Isso sem falar nos riscos trazidos à biodiversidade. A Terminator, na verdade, é uma semente genocida e não suicida", afirma a pesquisadora mexicana Silvia Ribeiro, dirigente da ONG internacional Grupo ETC (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração).
Devido aos riscos potenciais que acarretam, as sementes Terminator têm sua comercialização proibida desde 2001, quando a inexistência de experimentos de campo feitos pelas empresas que comprovassem a segurança dessa tecnologia fez com que a ONU decretasse a moratória global de sua disseminação. Naquele ano, a Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CDB), que discutia essa questão desde 1998, recomendou aos países e as partes signatárias que tivessem "uma aproximação com precaução" do assunto.
Em 2002, a Comissão sobre Recursos Genéticos das Plantas da Organização Mundial para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) divulgou relatório condenando a tecnologia Terminator: "As negociações sobre o direito à alimentação, no quadro da Comissão de Direitos Humanos da ONU e no quadro da FAO, devem incluir o direito inalienável que têm as comunidades camponesas de guardar, intercambiar e desenvolver variedades de plantas sem restrição alguma. A tecnologia Terminator representa uma violação à soberania alimentar dos povos e ao direito à alimentação", diz o documento.
A moratória determinada pela ONU, no entanto, não interrompeu as pesquisas feitas pelas grandes empresas e por alguns governos sobre a tecnologia Terminator e suas variáveis. No campo político e diplomático, a batalha pelo fim da moratória começou no dia seguinte em que ela foi decretada. A disputa em torno do assunto teve seu ápice durante a Sétima Conferência das Partes da CDB (COP-7), realizada em Kuala Lumpur (Malásia) em 2004, mas os dois lados acabaram se neutralizando e não foi definida nem a restrição total, como queriam os ambientalistas, nem o fim da moratória, como queriam os outros. Este ano, durante reunião do Protocolo de Cartagena em Bangkok (Tailândia), o governo do Canadá liderou um movimento pelo fim da moratória que ganhou as importantes adesões de Austrália e Nova Zelândia, mas depois acabou sendo adiado para a MOP-3/COP-8 do ano que vem em Curitiba.
Ofensiva em Curitiba
"O governo do Canadá acabou assumindo uma posição difícil, mas foi levado a liderar o movimento pelo fim da moratória pelo governo dos Estados Unidos, país que sequer faz parte do Protocolo, mas tem grande interesse comercial na liberação das sementes Terminator", revela o ambientalista canadense Pat Mooney, também dirigente do Grupo ETC. A ofensiva política dos defensores da Terminator virá com força total na MOP-3 e na COP-8, na opinião de Mooney: "Eles vão utilizar todos os seus recursos para acabar com a moratória e estão encarando o encontro de Curitiba como uma espécie de ato final. O controle de sementes é moralmente inaceitável e tem o repúdio da opinião pública, mas o lucro que pode ser obtido pelas grandes empresas com ele é tão certo que eles não resistem a defender a idéia", avalia. O esforço pelo fim da moratória na MOP-3 deverá novamente ser coordenado "das sombras" pelos EUA: o governo Bush, através do Departamento de Agricultura, é detentor de três patentes Terminator..
O pedido de patentes, diga-se de passagem, jamais foi interrompido pela moratória da ONU, fato que demonstra a esperança das empresas de que a comercialização da tecnologia Terminator seja liberada num futuro próximo: "Neste momento não sabemos qual será a data certa [da liberação comercial], mas contamos com isso e continuamos trabalhando duro no desenvolvimento da tecnologia", afirma Harry Collins, vice-presidente da Delta & Pine Land. Além da empresa criadora das sementes Terminator e do Departamento de Agricultura do governo dos EUA, também detém patentes sobre mecanismos de aplicação desta tecnologia as empresas Dupont, Syngenta e Monsanto, que são as três maiores transnacionais de biotecnologia do mercado agrícola atualmente. Além destas, compõem o seleto grupos de detentores de patentes Terminator mais uma empresa, a BASF, e três universidades norte-americanas (Iowa, Cornell e Purdue).
Brasil preocupa
No último final de semana, 28 organizações da sociedade civil brasileira e internacional reuniram-se em Florianópolis para realizar um workshop e debater a MOP-3 e a COP-8. Durante o evento, foi lançada oficialmente a Campanha Internacional contra a Tecnologia Terminator, articulação coordenada pela Via Campesina e pelo Grupo ETC e que conta no Brasil com a participação de diversos movimentos de peso, como o MST e a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, entre outros: "A mobilização em todo o mundo é importante, pois a sobrevivência de 1,4 bilhão de agricultores depende diretamente das sementes que eles podem guardar", afirma Silvia Ribeiro.
A posição do governo brasileiro preocupa os ambientalistas, apesar de a Lei de Biossegurança aprovada recentemente pelo Congresso (e que ainda aguarda regulamentação) trazer um artigo que proíbe o desenvolvimento de sementes com restrição de uso, TRUGs ou Terminator no país. A desconfiança é derivada do impressionante recuo diplomático que teve nos últimos meses o Brasil em relação às discussões sobre biossegurança. A desastrosa participação do governo brasileiro na última reunião do Protocolo de Cartagena, realizada em Montreal (Canadá) em junho deste ano, só fez aumentar a apreensão dos ambientalistas. Naquela ocasião, o Brasil foi contra a aplicação de medidas mais efetivas para garantir a rotulagem dos transgênicos ou sua identificação em movimentações transfronteiriças.
"O Brasil abandonou seus aliados históricos na questão e se aliou ao bloco Canadá-Austrália-Nova Zelândia, que na verdade foi comandado pelos EUA. Isso é terrível para o Protocolo, sabendo-se que o Brasil não é qualquer país, mas o maior país megadiverso do planeta", lamenta Pat Mooney. Para a advogada brasileira Gisela Hathaway, que esteve em Montreal, a delegação diplomática do Brasil "foi abduzida" durante o encontro: "Nenhuma das críticas feitas pela sociedade civil resultou em mudança de posição do Brasil. Aliás, essas críticas sequer foram ouvidas. Não houve uma única reunião com a sociedade civil. O governo brasileiro não agiu como quem tivesse uma megabiodiversidade a defender e sim com a segurança de quem não tem nada a perder", disse.
Dirigente da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e da AS-PTA (Assessoria de Serviços e Projetos em Agricultura Alternativa), Gabriel Fernandes também afirma temer uma mudança de posição do governo brasileiro em relação às sementes Terminator: "Nenhum cenário pode ser descartado. Não podemos nos esquecer que, na última campanha presidencial, Lula defendeu a moratória dos transgênicos e disse que plantar transgênicos no Brasil era burrice. E deu no que deu", disse.
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