Apesar de reconhecer o agravamento do desequilíbrio climático e necessidade de medidas urgentes, documento final da cúpula dos países industrializados não especifica metas objetivas para a redução da emissão de gases causadores do aquecimento global.
Apesar de toda a expectativa criada, a reunião do G-8 realizada semana passada em Gleneagles, na Escócia, pouco avançou na discussão sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global. O documento sobre o tema divulgado na sexta-feira (8) pelos países mais industrializados (Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Canadá, França, Itália, Alemanha e Rússia) não especifica metas objetivas para a redução de emissão de gases causadores de efeito estufa, mas reconhece o agravamento do desequilíbrio climático e aponta para a necessidade de se adotar medidas concretas o quanto antes.
O encontro, no entanto, serviu para consolidar o fortalecimento do chamado G-5 - grupo de países em desenvolvimento formado por Brasil, China, Índia, África do Sul e México - que decidiu continuar a discutir de maneira conjunta sua posição frente aos países mais ricos e impôs algumas condições para as negociações futuras. Na avaliação das organizações ambientalistas brasileiras, o fortalecimento do G-5 foi a principal vitória obtida na reunião da Escócia. Outro ponto destacado é o crescente isolamento dos EUA, que atualmente é o único país do G-8 a não ter ratificado o Protocolo de Kyoto.
A esperada adesão estadunidense a um possível acordo intermediário acabou não acontecendo, malgrado as promessas feitas nas últimas semanas pelo primeiro-ministro britânico, Tony Blair, anfitrião do evento.
Apesar de concordar com a inclusão, no documento final, de um trecho proposto pela França que afirma que “está cientificamente comprovado que as atividades humanas acentuam o aquecimento global”, o presidente dos EUA, George W. Bush, impôs a inclusão de um outro trecho que afirma que “as novas abordagens internacionais de cooperação tecnológica podem solucionar os problemas climáticos”.
Antes de chegar a Gleneagles, Bush já havia antecipado que os EUA não mudariam sua posição quanto ao Protocolo de Kyoto. A formulação sobre as novas tecnologias parece ter deixado o presidente estadunidense satisfeito: “As novas tecnologias vão permitir a economia mundial crescer e, ao mesmo tempo, ser mais sábia para proteger o meio ambiente. O objetivo dos EUA é reduzir a emissão de gases de efeito estufa com o tempo”, disse Bush, segundo relato do La Jornada.
EUA isolados
Na avaliação do coordenador de campanhas do Greenpeace no Brasil, Marcelo Furtado, os EUA ficaram agora em “posição de total isolamento”. Esse isolamento, segundo Furtado, pode ser positivo em médio prazo: “O Bush posicionou os EUA como o único país absolutamente destoante do resto do grupo do G-8. Isso deve favorecer o avanço das negociações, uma vez que sete os países restantes adotaram uma postura de discutir o problema de frente”, disse. Furtado destacou ainda que os EUA tendem a enfraquecer ainda mais sua posição com o fortalecimento do G-5: “A postura de fortalecer o G-5, sobretudo vinda de países como a China e a Índia, foi o ponto mais positivo desse encontro”, disse.
Para Délcio Rodrigues, membro do Grupo de Trabalho sobre Clima do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), o discurso dos EUA sobre novas tecnologias é um artifício para não deixar as discussões avançarem: “Ao falar de metas tecnológicas de redução das emissões e não em metas globais, não se avança na solução concreta do problema, sobretudo no que concerne as emissões de carbono dos países em desenvolvimento”, disse.
G-5 impõe condições
Ao aprovar proposta apresentada pela Inglaterra, o G-8 estabeleceu a criação de um “espaço informal de debates”, batizado de Espaço Diálogo, para tratar das questões climáticas com os países em desenvolvimento. Em seu documento final, no entanto, os países do G-5 estabeleceram uma série de condições para concretizar esse diálogo, que passam fundamentalmente pelo incremento da ajuda financeira vinda dos países ricos para o desenvolvimento de formas de produção energética menos poluentes nos países pobres.
Marcelo Furtado aponta dois pontos considerados por ele como “muito positivos” no documento do G-5: “Os países em desenvolvimento reconheceram o problema de suas próprias emissões, mas deixaram claro que os mais ricos têm que fazer sua lição de casa e adotar medidas apropriadas e efetivas para solucionar os problemas climáticos. Outro ponto positivo foi o capítulo que fala da importância de se desenvolver formas renováveis de produção energética”, disse.
Furtado, no entanto, lamenta que o Brasil, mais uma vez, não tenha “assumido papel de protagonista” nas discussões do encontro na Escócia: “Foi um vacilo do presidente Lula, pois o Brasil, primeiro país a sugerir a adoção de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), deveria adotar postura de liderança no aprofundamento das discussões”, avalia. Ele lembra que o Brasil já é o quarto maior emissor mundial de gases de efeito estufa: “O governo precisa encarar com mais seriedade a questão do desmatamento”, disse.
Para Délcio Rodrigues, o governo brasileiro vem apresentando uma posição contraditória: “Na prática, o Brasil não poderá avançar em sua posição na internacionalização das discussões climáticas enquanto não adotar políticas públicas internas que permitam ações efetivas quanto às mudanças climáticas no país”, disse.
Carta Maior
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