Segundo a retórica ocidental, a Síria seria uma ditadura que afoga em sangue uma revolução. E seria apoiada pela Rússia porque está a aplicar a mesma lógica na base da qual Moscovo esmagou anteriormente a rebelião na Chechénia. Pelo contrário, visto de Moscovo, o imperialismo ocidental aliou-se, desde há 35 anos, com as ditaduras religiosas dos países do Golfo para desviar o jihadismo da libertação da Palestina e virá-lo primeiro contra a URSS, no Afeganistão, e depois contra a Rússia e seus aliados. Por conseguinte, a Rússia não se acha a apoiar a Síria, mas sim que está a ser atacada através da Síria.
Em Moscovo a “inteligentsia” pro-ocidental vê a guerra da Síria como um conflito longínquo no qual o Kremlin comprometeu o país do lado errado para manter uma inútil base naval em Tartus.
Pelo contrário, Vladimir Putin encara esta guerra como um episódio do conflito que, em virtude da «doutrina Brzezinski», opõe desde 1978 a grande coligação ocidental-islamista contra a URSS, depois a Rússia. Para o Kremlin, não há nenhuma duvida que os jihadistas, endurecidos pelo combate no Próximo-Oriente, prosseguirão em breve a sua obra destruidora na Chechénia, na Inguchétia e no Daguestão. Deste ponto de vista, a queda da Síria seria imediatamente seguida do incendiar do Cáucaso russo. Portanto, apoiar a República árabe síria não é um capricho exótico, mas um imperativo de segurança nacional.
Posto isto, as expectativas do Kremlin em relação à Síria só podem ser as mais elevadas. No decurso das entrevistas que eu acabei de ter com vários dirigentes russos aquando de uma viagem a Moscovo, escutei várias críticas.
1- Moscovo não compreende o porquê de Damasco não ter encetado acção jurídica e diplomática para afirmar os seus direitos. A diplomacia síria coloca-se sempre na defensiva quando é atacada diante do Conselho dos Direitos do homem em Genebra e não consegue defender a sua imagem. Ela poderia facilmente inverter esta tendência apresentando queixa contra os seus agressores diante do Tribunal internacional de Justiça, como o fez anteriormente com êxito a Nicarágua contra os Estados Unidos. É claro que o importante não seria obter uma condenação da França, do Reino Unido, da Turquia, do Catar e da Arábia Saudita — a qual só teria resultado cerca de três a quatro anos após o início —, mas a de derrubar a retórica do Conselho de segurança.
A entrega desta queixa deveria ser seguida de uma carta ao Conselho de segurança afirmando o direito da Síria a ripostar aos seus agressores. Esta carta abriria a possibilidade a grupos combatentes árabes sírios de empreenderem, por sua própria iniciativa, acções armadas de Londres a Doha.
2- Numerosos colaboradores de Vladimir Putin tornaram-se admiradores de Bachar el-Assad que eles vêem com o homem da situação. Não há qualquer dúvida que o Kremlin, estimando a sua autoridade tanto legítima quanto legal, o apoiará até ao fim do seu mandato. No entanto, os dirigentes russos interrogam-se sobre a vontade do presidente sírio de governar o país para lá disso. Eles salientam que, para lá dos seus repetidos apelos, Bachar el-Assad ainda não expôs nenhum programa político para o futuro do país. No momento, eles não sabem quais serão as suas escolhas em matéria económica, social, cultural etc. Eles vêem nele o garante de uma sociedade multi-confessional, tolerante e moderna, mais duvidam da sua intenção de ir mais longe, da sua vontade de ser aquele que repensará e reconstruirá o país uma vez retomada a paz.
3- Por fim no Kremlin, tem-se toda a confiança no Exército árabe sírio e no Exército de defesa nacional. Sublinham que Damasco não perdeu nenhuma batalha face aos Contras jihadistas mas que estes, apesar disso, marcaram pontos sem sequer terem tido de combater, como no caso da traição de Raqqa. Sendo assim, o Estado sírio pode ter ainda o tempo
necessário à finalização de um acordo de paz regional russo-americano, mas pode também afundar-se subitamente sob o efeito das traições.
É por isso que os dirigentes russos estão agastados pela falta de segurança à volta de Bachar el-Assad, que eles testaram no decurso de uma audiência que ele concedeu no seu domicílio a uma das suas delegações. Um convidado, ultrapassando as indicações que lhe tinham sido dadas à entrada, conservou com ele o seu telefone portátil durante toda a entrevista. O telefone tocou duas vezes sem que nenhum guarda interviesse. Sabe-se que os serviços de segurança sírios frustraram diversas tentativas de assassinato de Bachar el-Assad, comanditadas pelos serviços de Estados membros da OTAN, mas é forçoso constatar que a sua segurança pessoal não é garantida. Certos dirigentes são da opinião que a Rússia corre um grande risco ao apoiar um líder que pode ser tão facilmente assassinado.
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