O sociólogo filipino Walden Bello diz que para combater a globalização neoliberal é preciso mais do que enfrentar o livre-comércio e o militarismo. Ele defende a luta contra todas as formas de opressão cultural que integram este processo.
Compreender o componente cultural da dominação neoliberal imposta aos países em desenvolvimento é exercício de cuja importância nem todos os movimentos sociais e organizações da sociedade civil ainda se deram conta. Ao combater a militarização e o livre-comércio, acabam não os relacionando como novas formas de opressão cultural, sobretudo do imperialismo norte-americano. Pautar este debate no seio dos movimentos pacifistas e anti-globalização foi mais uma conquista deste Fórum Social Mundial, que terminou na última segunda-feira (31).
A Rede Internacional pela Diversidade Cultural (RIDC), por exemplo, uma rede de artistas e grupos culturais de 50 países que se esforça para combater a homogeneização cultural causada pela globalização e pelas indústrias multinacionais do entretenimento, denunciou os acordos bilaterais e os assinados no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio) que tratam a cultura como mercadoria e minam as formas de expressão tradicional dos povos.
A temática da opressão cultural foi além do que se reconhece habitualmente como produção de cultura e passou por questões como religião, tradições e sistemas sociais difusos no planeta e a ameaça que sofrem com a globalização neoliberal e o imperialismo. Neste sentido, um dos discursos mais contundentes foi o do sociólogo Walden Bello, professor da Universidade das Filipinas e diretor executivo da organização Focus on the Global South, que fica em Bangkok, na Tailândia. Fundada no mesmo ano em que nasceu a Organização Mundial do Comércio, a Focus on the Global South é considerada, mundialmente, um ator chave no movimento por um outro mundo possível, tendo organizado de mais de uma dezena de atividades nesta quinta edição do FSM.
Segundo Walden Bello, os objetivos de quem serve ao Estados Unidos na ocupação do Iraque, por exemplo, vão muito além dos lucros da indústria bélica e do comércio do petróleo. Passam também pelo combate à religião muçulmana - o que seria a prioridade do EUA nos próximos 20 anos - e à imposição do modelo de democracia e do sistema liberal herdado dos pensadores anglo-saxões.
“Eles dizem que são contra o terrorismo, mas vamos deixar as coisas claras: esta é uma guerra contra o Islã, estratégica para o sucesso da política americana nos próximos anos. Eles dizem que querem democratizar o Oriente Médio e o Iraque, mas precisamos desconstruir esta ideologia de democracia apresentada. Esta é uma forma muito limitada de democracia e que depende da defesa da elite branca, que permitiu que este grupo sobrevivesse os últimos 250 anos como dominante nos EUA. Diz-se que o livre mercado é cego às questões culturais, mas esta é uma das maiores mentiras de quem defende o neoliberalismo. Na Índia, a ideologia do livre mercado era componente do etnocentrismo, do hindu-fundamentalismo e do sistema de castas. Ou seja, dizer “livre mercado” significa dizer “opressão cultural”. É esta a democracia que querem impor ao Iraque na recriação da hegemonia dos Estados Unidos. Trata-se de agregar a dimensão cultural, de cor e etnia à dominação econômica que já vinha existindo”, afirma o sociólogo.
Isso se explicaria e seria decorrência óbvia da base de apoio do governo George W. Bush - composta de homens brancos e protestantes que representam os anos 50 - e da parcela da população americana que o reelegeu. Na opinião do filipino, a administração Bush apela para forma tradicionais de etnocentrismo, de racismo e de dominação cultural. E quem votou em Bush estava votando contra os imigrantes, os negros e os movimentos feministas, contra aquilo que consideram ser as importações e as idéias estrangeiras para o EUA.
“Não podemos entender o que vem acontecendo nos últimos anos no Estados Unidos sem entender a dimensão cultural que levou à vitória de Bush. Se nos limitarmos a uma análise econômica e militar estaremos errados. O objetivo ali é criar uma hegemonia política cultural para governar os próximos 50 anos. A luta contra essa dominação cultural é tão importante contra a luta corporativa e militar, porque elas caminham juntas”, acredita.
O exemplo das mãos que andam juntas está na própria formação do exército americano que ocupa o Iraque. Ali há uma proporção muito maior de negros e latinos do que na população no geral. Ou seja, os mais pobres e os negros são os que estão na linha de frente da defesa militar dos privilégios da elite anglo-saxã e protestante. “É o mesmo padrão do império romano, que recrutava os bárbaros para servir, apoiar e defender o império. Então o militarismo não é cego à cor e à classe social, assim como não é o neoliberalismo”, explica Bello.
Para ele, o fenômeno se repete globalmente e não é exclusivo da ocupação iraquiana. Na América Latina, por exemplo, os últimos 30 anos de neoliberalismo adotado por todos os governos da região levaram à pobreza e à exclusão econômica e cultural principalmente das populações indígenas e das comunidades tradicionais. “Estatisticamente, é possível correlacionar a liberdade de mercado e a falta de liberdade e pobreza desses grupos. Precisamos somar forças contra todas as formas de opressão cultural. Se esquecermos disso, não vamos sair do flanco. Será uma tarefa difícil, que levará tempo e muito esforço”, conclui Walden Bello.
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