Na avaliação do assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, uma das condições fundamentais para o Brasil atingir crescimento com redução de desigualdades sociais está no processo de integração regional com países da América Latina.
Um dos grandes desafios da reta final do governo Lula é aumentar o crescimento econômico do Brasil. Alguns economistas atentam para os riscos de um crescimento exacerbado diante do déficit na infra-estrutura produtiva em que o país se encontra. Mas esta continua sendo a meta da equipe de Lula. Crescer, somente, não basta. Seria preciso dar conta desta tarefa combatendo a inflação e garantindo uma melhor distribuição de renda, de forma com que os programas compensatórios do governo, como o Bolsa Família, que atende a cerca de 45 milhões de pessoas, deixem de ser necessários.
Uma das receitas para atingir tal crescimento foi apresentada pelo assessor especial da Presidência da República para a política externa, Marco Aurélio Garcia, em uma conferência que concedeu no último final de semana no 5o Congresso dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). A chave, para Garcia, é apostar na integração com os vizinhos sul-americanos.
“Há dois anos o Brasil está crescendo de forma ininterrupta e sustentável, o que é novo na história recente do país. Mas precisa crescer mais. Estamos convencidos que o crescimento da economia brasileira está vinculado ao processo de regionalização, a uma integração não só comercial, mas econômica, que nos permita aumentar os nossos investimentos nos países vizinhos, receber investimentos e poder estabelecer uma articulação de cadeias produtivas entre o Brasil e os outros países”, disse Garcia à Carta Maior.
A criação de um grande mercado baseado em economias mais integradas não colocaria em risco o mercado interno brasileiro. Na opinião do assessor da Presidência, se a economia brasileira crescer com distribuição de renda, não serão os produtos argentinos ou uruguaios que irão nos ameaçar. Pode haver, inclusive, falta de produtos em circulação. “Pode parecer útil para o Brasil que uma fábrica feche em Córdoba, na Argentina, e venha funcionar aqui no Brasil. Mas essa é uma visão pequena. O melhor é que ela continue lá e se integre de alguma forma com o nosso mercado, porque assim os dois crescem”, avalia Garcia.
O governo Lula tem apostado pesado e investido nessa integração. Hoje, são pouquíssimos os países da região que não possuem uma obra financiada indiretamente pelo governo brasileiro através de empresas nacionais que, com crédito estatal, estão desenvolvendo projetos nos demais países. Na Venezuela, o capital brasileiro está construindo pontes e metrôs, assim como na Bolívia e no Peru – este último, conta ainda como uma linha inter-oceânica que nos ligará a dois pontos do Pacífico. No Equador, o investimento é em hidrelétricas; na Colômbia, em uma hidrovia; no Paraguai, em novas estradas. A construção desta grande rede de infra-estrutura faz parte de uma política para garantir que a América do Sul tenha uma presença mais forte no mercado global.
“Somos um continente que tem 330 milhões de pessoas, 1,3 trilhão de dólares de PIB, somos o celeiro do mundo em alimentos, temos grandes reservas de petróleo, de gás, de combustíveis alternativos e de água – 30% do mundo – além de uma gigantesca biodiversidade, que não dominamos direito ainda. Além disso, contamos com uma classe trabalhadora qualificada e com campos de pesquisa importantes. Isolados, vamos ter uma presença menor. Se estivermos juntos, podemos dar para a globalização um sentido não liberal, diferente do que ela tem hoje”, acredita Marco Aurélio Garcia.
O governo acredita que, se não tivesse feito esta opção assim que Lula tomou posse, as chances do Brasil sofrer um colapso econômico como o que aconteceu com a Argentina seriam tremendas. A linha adotada, portanto, foi a de dar continuidade à política industrial desenvolvimentista de Estado em curso, mas com “um tempero do PT”, que significou, além de uma preocupação com os problemas internos brasileiros, um interesse às questões regionais. Neste cenário, o enfrentamento do Mercosul em relação à implantação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) é o melhor exemplo da posição dura que o governo brasileiro optou por imprimir nas negociações.
“A Alca não entrou em vigor porque assumimos essa posição. Não pode haver Alca se eles mantêm os subsídios para a agricultura e exportação e as barreiras sanitárias e antidumping. Os Estados Unidos são uma das economias mais protegidas do mundo. Para a reunião da OMC que acontece no final de ano, o governo americano propõe uma redução de 60% em seus subsídios, mas já disse que pretende manter outros. Se mantiver, não dá pra ter Alca”, afirma Garcia.
Questionado sobre a proposta do presidente venezuelano Hugo Chávez de criação da Alternativa Bolivariana para a América, Garcia disse que vê a Alba como um projeto de natureza político-ideológica, enquanto a Alca seria uma proposta de cunho comercial-diplomático. “Acho que ambas podem ser discutidas separadamente. Temos o maior interesse de levar pra frente o enfrentamento à idéia original da Alca tinha, e temos sido exitosos nessa discussão. Mas gostaríamos que a Venezuela participasse dessa linha que procuramos imprimir às negociações sobre a Alca. Seria melhor se a Venezuela entrasse no Mercosul”, acredita.
A opção adotada pelo Brasil parece correta para a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Em entrevista à Carta Maior após a conferência de Garcia, José Lopes Feijó disse estar convencido de que o governo está seguindo uma política externa correta.
“A política externa em curso nos governos anteriores partia da tese de que o Brasil deveria se inserir na globalização de forma subordinada. Aquela em que você atende aos interesses das grandes nações, produz o que elas querem que você produza, deixando normalmente que tudo aquilo que se trata de desenvolvimento tecnológico e indústria fique com eles. Ou seja, o conhecimento fica com eles e a produção bruta de matérias primas e commodities fica conosco. É evidente que não poderíamos aceitar essa alternativa, que visava a tornar o Brasil, com a importância que ele tem, refém dos interesses dos países ricos e das transnacionais”, disse Feijó.
“Quando o governo Lula assume e ao invés de uma política de área de livre comércio busca implantar uma política de integração entre as nações, isso é uma brutal mudança de rumo. Ao invés de uma área de livre comércio, em que apenas as mercadorias circulam, nós estamos falando de um processo de integração entre povos, entre bases industriais, de produtos de commodities, entre livre trânsito de pessoas, em uma política comum que possa defender os interesses de uma grande gama de países frente aos poderosos. E essa política incomoda”, acredita o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Integração política
Além da integração econômica com os países vizinhos, o governo brasileiro tem buscado uma maior articulação política dentro da América do Sul, para que a regionalização possa prosperar. Em dezembro, quando acontece a próxima reunião do Mercosul, em Montevidéu (Uruguai), os países devem aprovar a criação do Parlamento do Mercosul. Nos dois primeiros anos, o órgão será formado por delegações dos parlamentos dos países membros, mas depois a idéia é que os integrantes sejam eleitos de forma direta pela população, possibilitando um controle maior da população sobre as questões da integração regional. Na mesma linha, foi criada a Comunidade Sul-Americana de Nações, que reúne o Mercosul e a Comunidade Andina num bloco político que, aos poucos, permita a integração econômica e sociais entre os países.
“Isso não se dá por acaso. Há um governo de centro-esquerda na Argentina; no Chile há uma inclinação para a esquerda; há Chávez na Venezuela, que é um aliado forte; e temos o Uruguai com Tabaré e o Equador, que apesar de ter se desviado da esquerda, deixa uma boa perspectiva. Agora há eleições no Peru e na Colômbia e o Paraguai também tem um governo democrático. Este quadro favorável, no entanto, só se manterá se houver pressão da sociedade para construir agendas progressistas, para que os governos construam uma agenda da integração, que foi feita até agora pela burguesia. E para que a integração não fique na mão só de diplomatas, para que a sociedade faça ouvir a sua voz. Temos uma responsabilidade muito grande com os companheiros da América Latina”, conclui Marco Aurélio Garcia.
Carta Maior
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