Especialistas do Brasil, Uruguai e Argentina se reuniram durante o 5º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, para discutir a abertura e o acesso aos arquivos das ditaduras militares na América Latina, e reafirmar a necessidade de saber a verdade, pedir justiça e, de uma vez por todas, passar a limpo os anos de chumbo da América Latina.
"O paradeiro dos desaparecidos, as circunstâncias em que militantes foram assassinados e a punição dos culpados são questões que ficaram pendentes após as transições democráticas desses países", diz Laura Balsamo, representante da organização Servicio Paz y Justicia do Uruguai.
Ela está convicta que agora chegou a vez do seu país avançar nas investigações sobre o destino dos presos-desaparecidos durante a ditadura militar (1973-1985). De acordo com Laura, as organizações de direitos humanos acreditam firmemente que o próximo presidente, Tabaré Vázquez, cumprirá a promessa de discutir a questão.
No dia 1º de março, o Uruguai completará 20 anos de vida democrática, desde o fim da ditadura. No entanto, nenhum militar foi julgado por tortura e assassinato contra opositores. Todos os processos abertos contra militares e policiais por violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura foram paralisados em 1986, quando foi aprovada a Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado, chamada de "lei de impunidade" pelos defensores de direitos humanos.
Essa legislação foi aprovada sob pressão militar e ratificada em um referendo realizado em abril de 1989. Entidades de direitos humanos organizaram uma coleta de assinaturas para fazer um referendo contra a lei, mas não tiveram sucesso. "A maioria da população, ignorante, apoiou tal legislação, com medo de um novo golpe militar", lembra Laura.
Mesmo se as esperanças dos ativistas se concretizarem, e Vázquez investigar o destino dos desaparecidos, os responsáveis não poderão ser julgados, em função da Lei de Caducidade. "E o novo governo não falou em revisar a legislação. Mesmo assim, achamos que ele fará transformações importantes", afirma ela.
Reparação
O primeiro a remexer nas feridas abertas da América Latina, foi o presidente argentino Néstor Kirchner, que determinou a passagem para a reserva dos altos chefes militares que tiveram atuação durante a ditadura. Foram 27 generais, 13 almirantes e 12 brigadeiros.
Além disso, em nome do Estado, Kirchner pediu perdão pelo silêncio oficial diante das atrocidades cometidas ao longo da ditadura, e ordenou que fossem retirados os retratos dos ex-ditadores Jorge Videla e Reynaldo Bignone do Colégio Militar. O presidente argentino também entregou a organizações humanitárias os 17 hectares do mais emblemático centro de detenção, tortura e assassinato do regime, a Escola de Mecânica da Marinha.
Mesmo contando com o apoio do governo para a abertura dos arquivos da ditadura Argentina (de 1976 a 1983), ainda há muito a fazer, avalia Patrícia Funes, da Comisión Provincial por la Memoria. "Há um decreto de setembro de 1983 que mandou queimar os arquivos da ditadura, mas nós não acreditamos que tenham sido totalmente queimados", diz.
De acordo com ela, a falta de uma lei de arquivos e de hábeas-data (veja glossário) são obstáculos para a divulgação dos documentos. "Também há muita resistência por parte da polícia e das forças armadas".
Mesma estrutura
O que também preocupa os ativistas é que, mesmo depois da democratização, alguns ex-participantes do Estado repressor concorrem a cargos públicos ou continuam atuando nas mesmas funções. "Na Argentina, o governador da província de Tucumán foi torturador, e foi eleito pelo voto popular", alerta Patrícia.
Além disso, subsiste a estrutura de inteligência do período militar. "Ela foi mantida a mesma até 1998, passados 15 anos de governo democrático", argumenta. "Isso é uma herança do autoritarismo da ditadura", comenta.
A violência policial também continua existindo, lembra a uruguaia Laura Balsamo. "Só que agora os torturados não são os militantes, mas os presos comuns. Isso exemplifica como parte da estrutura repressiva permanece intacta".
Tanto Laura quanto Patrícia destacam a importância da atuação das entidades de familiares de ex-presos políticos e desaparecidos para pressionar tanto pela abertura dos arquivos, quanto na denúncia das violações que continuam existindo, "muitas vezes praticadas pelas mesmas pessoas".
Lei de arquivos - instrumento legal que define critérios para a gestão e acesso aos documentos públicos.
Lei de hábeas-data - instrumento jurídico contra abusos de poder por parte de servidores ou agentes públicos.
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