O Procurador do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, advertiu contra qualquer tentativa de pressão sobre o pessoal do TPI. Ele não falava à toa, segundo « +972 Magazine », «Local Cal » e «The Guardian», a Mossad chantageou, de 2016 a 2021, a predecessora de Karim Khan, Fatou Bensouda. À época, não se tratava de mascarar os crimes actuais.

No fim de Janeiro passado, 12 ministros israelitas em funções, entre os quais o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu, participavam num grande espectáculo, organizado em Jerusalém, sob o título « Conferência para a Vitória de Israel – os Colonatos Trazem a Segurança: Voltar à Faixa de Gaza e ao Norte da Samaria » [1]. Na ocasião, os organizadores ameaçavam os Anglo-Saxões em reconstituir o grupo Stern que tinha lutado contra os Aliados durante e após a Segunda Guerra Mundial, caso eles se opusessem à colonização da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.

Por outras palavras, o fascista Vladimir Ze’ev Jabotinsky sempre tinha querido apropriar-se da « Eretz Israel » (quer dizer, de todos os territórios que vão do Nilo ao Eufrates, incluindo Israel, os Territórios Palestinianos, o Líbano, a Jordânia, a Síria e uma parte do Iraque) , a chamada «Terra Prometida», o «Grande Israel». Ao qualificar Jabotinsky de «fascista», não estou fazendo um julgamento de valor. Simplesmente sublinho que ele foi aliado de Benito Mussolini, antes e durante a Segunda Guerra Mundial [2].
Os discípulos de Jabotinsky exigiam, há quatro meses, o poder de levar a cabo este projecto, de expulsar os árabes da Palestina e de conquistar toda a região.

Washington reagira tomando medidas coercivas unilaterais contra os « supremacistas judeus » da Cisjordânia (1 de Fevereiro de 2024) [3], depois imaginando o derrube de Benjamin Netanyahu em favor de Benny Gantz [4], suspendendo os fornecimentos de armas e, finalmente, tentando impor um acordo de paz. Por «supremacistas judaicos», designo os discípulos do Rabino Meir Kahane, que foram proibidos de se sentar no Knesset (Parlamento -ndT), mas que agora aí impõem as leis.

Simultaneamente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, sob pressão da Assembleia Geral após vários vetos norte-americanos, finalmente adoptou, em 25 de Março, uma Resolução exigindo um cessar-fogo humanitário em Gaza [5]. No entanto, a embaixatriz Linda Thomas-Greenfield, representante especial dos Estados Unidos na ONU, desprezando a Carta das Nações Unidas, afirmou imediatamente que esta Resolução não era vinculativa, ou seja, que Israel podia decidir não a aplicar.

Por seu lado, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), alinhando-se pelo discurso da Casa Branca, ordenou primeiro a Israel que tomasse medidas de precaução a fim de evitar um genocídio [6], depois ordenou-lhe que se retirasse de imediato de Rafah [7].

Ora, por iniciativa do Presidente da Câmara dos Representantes (Mike Johnson), os presidentes dos Republicanos no Senado (Mitch McConnell), dos Democratas no Senado (Charles Schumer) e na Câmara (Hakeem Jeffries), acabam de dirigir um convite a Benjamin Netanyahu para discursar perante os parlamentares reunidos em Congresso. Ao fazer isto, o Poder legislativo dos EUA opõe-se ao Poder executivo e apoia claramente a limpeza étnica em curso.

Os « sionistas revisionistas » (como Jabotinsky denominava os membros da sua corrente de pensamento) falharam, pois, em impor a sua vontade ao Presidente Joe Biden, mas conseguiram impô-la ao Congresso. Como é que eles aqui chegaram ?

Já em 2015, o Congresso havia convidado Benjamin Netanyahu enquanto o Presidente Barack Obama recusava recebê-lo na Casa Branca. Durante o seu discurso, segundo o «New York Times», agentes da embaixada vigiavam os parlamentares que não o aplaudiam a fim de os sancionar.

O apoio do Congresso contra Casa Branca

O Presidente da Câmara dos Representantes, o Republicano Mike Johnson (Luisiana) é um advogado evangélico [8]. Deu-se a conhecer durante o processo que intentou para fazer triunfar a sua concepção de cristianismo, nomeadamente contra os homossexuais. mas é sobretudo um « cristão sionista » para quem a defesa de Israel, faça este o que fizer, é um dever religioso. Ele foi eleito para a presidência da Câmara em circunstâncias difíceis, com a ajuda inesperada dos ultra-conservadores do Freedom Caucus que se opõem ao alívio do plafond da dívida pública.

Mitch McConnell, presidente do grupo Republicano no Senado, desprezando o Direito Internacional [9] em nome do « excepcionalismo americano » [10], é conhecido de longa data pelas suas posições pró Eretz Israel. En 2017, este batista havia exortado os presidentes dos EUA a « respeitar uma prática que consistia em opor o seu veto a todas as Resoluções do Conselho de Segurança da ONU visando inserir as Nações Unidas no processo de paz, a não reconhecer as acções palestinianas unilaterais, incluindo a declaração de um Estado palestiniano, ou em ditar termos e um calendário para uma solução do conflito israelo-palestiniano » [11].

Hakeem Jeffries, presidente do grupo Democrata na Câmara, é também conhecido pelo seu alinhamento constante com as posições do Estado de Israel. Muito embora ele não tenha defendido o princípio da limpeza étnica dos árabes da Palestina, tem-se exprimido amplamente a favor do extermínio dos membros do Hamas, sem fazer distinção entre os que são filiados na Confraria dos Irmãos Muçulmanos e os que pertencem à Resistência palestiniana.

O caso mais surpreendente é o de Chuck Schumer, presidente do grupo Democrata do Senado. Durante 43 anos, este judeu ultra-ortodoxo apoiou, por princípio, todas as posições do Estado de Israel até à sua espectacular reviravolta, em Março, quando declarou que se podia ser, em simultâneo, pró-israelita e opor-se à política de Benjamin Netanyahu [12]. Ele opunha-se então firmemente a uma visita de Netanyahu aos Estados Unidos. No entanto, deu-lhe em seguida a palavra, por vídeo, perante o seu grupo parlamentar e, agora também, depois de o receber na qualidade de Primeiro-Ministro israelita no Congresso.

Destas quatro personalidades, apenas Chuck Schumer é judeu. Mas os outros três devem em grande parte a sua reeleição ao apoio financeiro dos oligarcas judeus norte-americanos. Eles correspondem aos políticos emblemáticos que John Mearsheimer denunciou no seu estudo The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy. A democracia norte-americana estava à venda e os pró-israelitas compraram-na.

A impossibilidade de tomar decisões contrárias às dos «sionistas revisionistas»

A título de comparação, o estado da democracia é diferente nos Estados Unidos e em França. É certo que em ambos os casos, os doadores eleitorais influem mais sobre a política nacional do que os eleitores, mas não se verificam as mesmas características. Em Washington, ninguém se espanta com as religiões sectárias dos eleitos. Pode-se ser deputado, membro do governo, até presidente, e crer em Gog e Magog. Em Paris, pelo contrário, ignora-se as filiações religiosas e étnicas dos eleitos. Pode-se, pois, chegar ao ponto, como hoje, e sem que ninguém se aperceba disso, em que metade das presidências das instituições constitucionais são detidas por cidadãos susceptíveis de adquirir a nacionalidade israelita.

Num caso como no outro, é impossível aos Executivos tomar decisões que vão contra a política do Estado de Israel, ou mesmo, no caso dos Estados Unidos, contra a dos « sionistas revisionistas », isto é, dos neo-fascistas que praticam a limpeza étnica na Palestina à luz do sol.

Para sair desta situação, era preciso que os eleitos se livrem dos seus financiadores e que não hesitem em revelar o apoio prestado pelo campo ocidental durante a Guerra Fria aos criminosos contra a humanidade. Se Benjamin Netanyahu e os seus « supremacistas Judeus » estão hoje no Poder, é porque o Ocidente colectivo teve durante décadas um interesse em apoiar a sua corrente ideológica, apesar de a ter combatido e derrotado durante a Segunda Guerra Mundial.

Em Outubro passado, Galit Distel-Etebaryan, a Ministro israelita da Informação, demitiu-se para protestar contra a omnipresença da censura militar. Em seguida, os principais funcionários desse serviço também se demitiram para protestar contra o uso da desculpa da Segurança Nacional para censurar as investigações da imprensa israelita.

Omnipresença da censura militar

Os crimes perpetrados pelos sionistas revisionistas são segredos de Estado. Durante décadas, eles massacraram comunistas, ou simples opositores, um pouco por todo o mundo. Da Guatemala ao Congo, passando pelo Irão, da África do Sul a Taiwan, passando pela Bolívia, participaram nas piores golpadas da Guerra Fria. Todos esses crimes são protegidos por uma censura implacável [13].

Hoje, o Estado hebreu dispõe da censura militar mais eficaz do mundo. Centenas de investigações dos jornais israelitas sobre as ligações entre Benjamin Netanyahu, a Irmandade Muçulmana e o Hamas, sobre a preparação do ataque de 7 de Outubro, sobre a ausência de resposta dos Serviços de Segurança durante várias horas, ou sobre os verdadeiros alvos das FDI em Gaza tem sido censuradas. Durante o último trimestre de 2023, trechos de 2. 703 artigos foram apagados e 613 outros foram completamente censurados, admitiu o Serviço da censura militar [14].

Dos acontecimentos de 7 de Outubro não conhecemos mais do que a versão oficial, ou seja, mentiras. Se sabemos que o Hamas não decapitou nenhuma criança, contrariamente aos testemunhos dos Serviços de Emergência, não sabemos quantos Israelitas foram mortos pelos atacantes, nem quem deu armas ucranianas à Resistência Palestiniana. Os apoiantes de Israel continuam a raciocinar como se o Hamas fosse uma organização homogénea e como se Benjamin Netanyahu ignorasse que ele iria atacar Israel [15].

Para ver as coisas com mais clareza, o General Benny Gantz apresentou um pedido de criação de uma Comissão de Inquérito sobre a preparação do ataque de 7 de Outubro, a sua realização e as suas consequências. Um pedido que visa directamente os «sionistas revisionistas» e que, de momento, não tem qualquer hipótese de apresentar resultados.

É provável que, muito mais tarde, quando ela tiver lugar e revelar os segredos, os actuais apoiantes de Benjamin Netanyahu tentem desculpar-se dizendo que também não sabiam. Com efeito, não há piores cegos do que aqueles que não querem ver.

Tradução
Alva

[1Em Jerusalém, a « Conferência para a Vitória de Israel » ameaça Londres e Washington”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 13 de Fevereiro de 2024.

[2Rompe-se o véu : as verdades escondidas de Jabotinsky e Netanyahu”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 25 de Janeiro de 2024.

[4Washington, Londres e Telavive enredados na Palestina”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 19 de Março de 2024.

[6As medidas cautelares do Tribunal Internacional de Justiça”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 30 de Janeiro de 2024.

[7Despacho 1378 : La Corte Internacional de Justicia ordena a Israel que se retire de Rafah”, Voltaire, Actualidad Internacional - N° 89, 2 de junio de 2024/

[8«CUFI: 50 millones de evangelistas partidarios de Israel», por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 18 de agosto de 2006.

[9«¿Cuál orden internacional?», por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 7 de noviembre de 2023.

[10Actas do colóquio organizado pelo Carr Center for Human Rights Policy : American Exceptionalism and Human Rights, Michael Ignatieff, Princeton University Press (2005).

[11«McConnell, Schumer sign onto resolution condemning UN Israel vote», Max Greenwood, The Hill, January 4, 2017.

[14«Israeli military censor bans highest number of articles in over a decade», Haggai Matar, +972 Magazine, May 20, 2024.

[15O que se esconde por trás das mentiras de Benjamin Netanyahu e esquivas do Hamas”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 29 de Novembro de 2023.