No cemitério norte-americano, Emmanuel Macron presta homenagem aos soldados norte-americanos que se « sacrificaram pela nossa independência » (sic).

Acabamos de assistir a uma enorme reescritura da História visando manipular as opiniões públicas a fim de justificar a seus olhos o trato actual da Rússia pela OTAN-NATO. Uma visão mentirosa do desembarque de 6 de Junho de 1944 deu lugar a uma comemoração de acontecimentos que nunca aconteceram tal como nos foram apresentados.

Segundo os organizadores das comemorações, quer dizer, segundo a OTAN que forneceu a maior parte dos figurantes, chefes de Estado e de Governo incluídos, os Aliados estavam unidos para lutar contra o nazismo e defender a liberdade. Na realidade, o desembarque anglo-saxónico não tinha como objectivo libertar a França, mas sim de substituir aí a ocupação nazi pelo Allied Military Government of Occupied Territories (AMGOT), ou seja, o Governo Militar Aliado dos Territórios Ocupados.

Nota de banco impressa pela AMGOT com o formato do dólar norte-americano.
Indignado com a atitude francesa, o Marechal britânico Bernard Montgomery exclamou em 9 de Julho : «Que história é esta sobre as notas bancárias que trouxemos ? Dizem-me que a população não as quer ? Têm que as aceitar. É preciso forçá-los. É dinheiro bom. É o nosso dinheiro !».

A rescrita da História

Muito embora o Reino Unido tenha aceite a presença de Charles De Gaulle e dos seus Franceses Livres no seu território, os Estados Unidos nunca o reconheceram como líder da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Pelo contrário, eles mantiveram uma embaixada em Vichy até 27 de Abril de 1942, ou seja, quatro meses após a sua entrada em guerra. Pior ainda, eles negociaram, em 22 de Novembro de 1942, um acordo com o Almirante François Darlan, representando o governo colaboracionista. Este impediria De Gaulle de vir para o Norte de África e transferiria no fim da guerra, em nome de Philippe Pétain, a autoridade colonial da França para os Estados Unidos.

Os Anglo-Saxões já tinham imposto o AMGOT à Itália e tinham tentado instalá-lo nos territórios do Império Francês no Norte de África. Aprestavam-se a estendê-lo à Noruega, aos Países Baixos, ao Luxemburgo, à Bélgica e à Dinamarca. Para isso, treinavam administradores civis em Charlottesville e Yale.

Informado do que os Anglo-Saxões preparam, Charles De Gaulle regressa de urgência de Argel a Londres. Ele transforma o Comité Francês de Libertação Nacional (CFLN), a que presidia, no Governo Provisório da República Francesa (GPRF), três dias antes do desembarque, em 3 de Junho de 1944. Enfrenta-se duramente com o Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill. Recusa gravar um discurso escrito pelos Anglo-Saxões apresentando a sua visão do desembarque e em enviar os 120 oficiais de ligação das FFL (Forças Francesas Livres -ndT) junto com as tropas de desembarque. Ele recusa igualmente o projecto anglo-saxónico de Organização de Nações Unidas (ONU) que devia instituir um directório dos Estados Unidos e do Reino Unido no mundo inteiro [1] ; um projecto que ressurgiu com a Guerra da Coreia (em 1950) , com a «Tempestade do Deserto» (em 1991) e de novo com os atentados às Torres nos Estados Unidos (em 2001). Por fim, ele aceita gravar um vago apoio ao desembarque, mas não ao AMGOT, em enviar apenas 20 oficiais de ligação, e irá conseguir fazer fracassar o plano anglo-saxónico de ONU [2]

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Nas suas Memórias de Guerra, Charles De Gaulle escreveu : “O Presidente [Roosevelt], conservava, de facto, mês a mês, o documento [a proposta de acordo entre a CFLN. e os Aliados para a Libertação da França] sobre a sua mesa. Durante este tempo, nos Estados Unidos, montavam um «Allied military government – AMGOT (Governo Militar Aliado- ndT)», destinado a assumir a administração da França. Via-se afluir a esta organização todo o tipo de teóricos, técnicos, homens de negócio, propagandistas, ou mesmo Franceses anteriormente naturalizados Ianques. As iniciativas que achavam dever tomar em Washington [Jean] Monnet e [Henri] Hoppenot, as observações que o governo britânico dirigia aos Estados Unidos, os pedidos urgentes que Eisenhower enviava à Casa Branca, não provocavam nenhuma mudança. Como era necessário, porém, chegar a um texto, Roosevelt decidiu-se, em Abril, dar a [Dwight] Eisenhower instruções segundo as quais era ao Comandante-Chefe que pertenceria o poder supremo em França. A este título, ele devia escolher as autoridades francesas que com ele colaborariam. Nós soubemos, rapidamente, que Eisenhower instava o Presidente a não o sobrecarregar com esta responsabilidade política e que os Ingleses desaprovavam um procedimento tão arbitrário. Mas Roosevelt, embora refazendo ligeiramente o fundo das suas instruções, havia mantido o essencial.
Para dizer a verdade, as intenções do Presidente pareciam-me ser da mesma natureza que os sonhos de Alice no País das Maravilhas. Roosevelt tinha já arriscado no Norte de África, em condições muito mais favoráveis aos seus desígnios, uma actuação política análoga àquela que imaginava para a França. Ora, dessa tentativa nada restava. O meu Governo exercia, na Córsega, na Argélia, em Marrocos, na Tunísia e na África Negra, uma autoridade sem entraves. As pessoas com quem Washington contava para obstaculizar tinham desaparecido de cena. Ninguém se ocupava com o Acordo Darlan-Clark [transferência de poderes do Império Colonial Francês para os Estados Unidos], dado por nulo e sem efeito pelo Comité de Libertação Nacional [a «França Livre»] e sobre o qual eu tinha declarado em alto e bom som, da tribuna da Assembleia Consultiva, que aos olhos da França não existia. Eu lamentava, por ele e pelas nossas relações, que o fracasso da sua política em África não tivesse podido acabar com as ilusões de Roosevelt. Mas tinha certeza que o seu projecto, renovado para a Metrópole, nem sequer começaria a ser aplicado. Os Aliados não se reuniriam em França com quaisquer ministros e outros funcionários públicos senão com os que eu tinha instalado. Lá, eles não encontrariam quaisquer outras tropas francesas senão aquelas de quem eu era o chefe. Sem qualquer presunção, eu podia desafiar Eisenhower a lidar de forma válida fosse com fosse que eu não tivesse designado. Aliás, ele próprio não podia imaginar tal.

No fim, 30. 000 soldados aliados participaram no desembarque de 6 de Junho de 1944, entre os quais só 177 franceses (os fuzileiros navais do comando Kieffer). Só no dia 1 de Agosto é que os 20. 000 homens da 2ª Divisão Blindada (2ª DB) do General Philippe “Leclerc” de Hauteclocque desembarcam na Normandia, entre Sainte-Marie-du-Mont e Quinéville, uma zona que os Aliados denominam de «Utah Beach» (praia Utah). Precipitam-se para Paris, que se revolta e se liberta.

O Juramento dos soldados ucranianos durante a Segunda Guerra mundial
« Filho fiel da minha pátria, uno-me voluntariamente às fileiras do Exército de Libertação da Ucrânia e com alegria juro que combaterei fielmente o bolchevismo pela honra do povo. Levamos este combate a cabo ao lado da Alemanha e dos seus aliados contra um inimigo comum. Com lealdade e submissão incondicional, creio em Adolf Hitler como dirigente e comandante supremo do Exército de Libertação. Seja quando for, estou disposto a dar a minha vida pela verdade ».

Amálgama com a guerra na Ucrânia

A comemoração da versão falsificada do desembarque foi a ocasião para o Presidente Joe Biden e o seu mestre de cerimónias, o Presidente Emmanuel Macron, estabelecer um paralelo com a sua apresentação, igualmente falsificada, da guerra actual na Ucrânia.

Para deixar as coisas bem claras, nenhuma delegação russa foi convidada. Pelo contrário, o Exército ucraniano, que se bateu ao lado dos nazis, foi.

Joe Biden, Emmanuel Macron e os seus convidados apresentaram os Estados Unidos como os vencedores da Segunda Guerra Mundial, quando foi a União Soviética que tomou Berlim e derrubou o IIIº Reich. Silenciaram o sacrifício de 8,6 milhões de soldados soviéticos. Em vez disso, centraram a sua narrativa nos 292. 000 soldados dos Estados Unidos mortos (principalmente durante a batalha contra o Japão após a derrota dos nazis). Dois esforços de guerra que não são de forma alguma comparáveis.

Eles recordaram, de passagem, o assassinato de 6 milhões de judeus pelos nazis, seja durante a «Shoah à bala» ou, a partir de 1942, nos campos de concentração. Uma maneira de silenciar o assassínio de 18,2 milhões de civis eslavos soviéticos (distintos dos 8,6 milhões de mortos acima mencionados), eles também considerados «infra-humanos» e designados como principais alvos do projecto de extermínio nazi. Nem uma palavra sequer sobre todas as outras categorias de alvos, como os outros Eslavos ou os Ciganos.

Dirigindo-se a Volodymyr Zelensky, o Presidente norte-americano, Joe Biden, declarou : « A Ucrânia está a ser invadida por um tirano e nós jamais a abandonaremos. (…) Não podemos desistir diante dos ditadores, é inimaginável (…) Os soldados do Dia D cumpriram o seu dever, nós cumpriremos o nosso ? (…) Nós não devemos perder aquilo que foi feito aqui ».

Deve lembrar-se que o Presidente russo Vladimir Putin, longe de ser um «ditador», acaba de ser reeleito em Março com 88,5% dos votos expressos. O escrutínio decorreu de forma sincera, ainda que, segundo os Ocidentais, a campanha eleitoral tenha deixado pouco espaço à sua Oposição. Pelo contrário, Volodymyr Zelensky já não é Presidente da Ucrânia depois do fim do mandato, em 21 de Maio. Ele proibiu os 12 partidos políticos da Oposição [3], enviou o seu rival, o General Valery Zaluzhny, para o Reino Unido como embaixador e não realizou eleições. No entanto, mantêm-se no Poder. Pode-se considerá-lo como o Chefe do governo provisório ucraniano, mas certamente não como o presidente eleito.

Ele comanda ilegalmente as Forças Armadas do seu país, cujos chefes principais são « nacionalistas integralistas ». Estes últimos reclamam seguir o fundador do «nacionalismo integralista» [4], Dmytro Dontsov e o seu homem de mão, o nazi Stepan Bandera. Durante a Segunda Guerra Mundial, Dontsov foi administrador do Instituto Reinard Heidrich, encarregue de aplicar a “solução final” das questões judias e ciganas, enquanto Bandera, à cabeça da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), massacrou, pelo menos, 1,6 milhões de ucranianos, principalmente do Donbass e da Novorossia. Era, pois, como continuador dos nazis que o antigo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, participava nesta mascarada.

Tradução
Alva

[1Que ordem internacional ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 10 de Novembro de 2023.

[3A Ucrânia proíbe o último partido político da Oposição”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 1 de Novembro de 2022.

[4Quem são os nacionalistas integralistas ucranianos ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Novembro de 2022.